Precisamos proteger a magistratura

A magistratura brasileira vive um momento de exposição sem precedentes: deliberações que no passado teriam repercussões limitadas às partes dos processos agora provocam iras e paixões desmedidas. Sentenças ganham as páginas dos jornais tanto quanto informações privadas de Juízas e Juízes, que vivem sob perene escrutínio. Nesse cenário, as críticas, então naturais, convertem-se em insultos e ameaças – que já não escondem o propósito de restringir o exercício da função jurisdicional.
A centralidade do Poder Judiciário no debate político foi uma consequência de crises institucionais. Como ônus desse protagonismo compulsório, magistrados passaram a ser tratados como inimigos políticos: ora às claras, na imprensa e na internet, ora anonimamente – como se, ao decidir, com base tão somente nas leis e nas provas, estivessem assumindo um lado da causa.
Personagens cada vez mais frequentes no noticiário, Ministros estão sendo hostilizados nas ruas, em aeroportos, não raro na companhia de filhos e cônjuges – vítimas involuntárias de agressões cujo objetivo é violar a independência judicial assegurada pela Constituição. Semelhante conduta representa um ataque ao devido processo legal, que provê todos os instrumentos para a revisão de entendimentos consolidados nos julgamentos, se houver fundamentação e justificativa para tanto.
São acertadas, portanto, as iniciativas adotadas pelo STF e demais tribunais para promover a segurança de seus membros, sobretudo daqueles que, à frente de casos rumorosos, têm enfrentado coações. Afinal, estas não podem, em hipótese alguma, limitar o direito de ir e vir de Juízes, Desembargadores e Ministros – sob pena de cercearem a própria Justiça. No Brasil ou no exterior, o magistrado reveste-se das prerrogativas do cargo, das quais precisa se valer para salvaguardar os direitos dos cidadãos.
Por essa razão, todas as medidas de segurança são imprescindíveis – e, frisemos, compatíveis com as rotinas adotadas por outras autoridades, como o Presidente da República, os Ministros de Estado e os integrantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Nada justifica um tratamento assimétrico a membros de Poderes que contribuem, igualmente, para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Não é de hoje que a insegurança se revela um problema. Milhares de Juízes de todo o país julgam, há décadas, diariamente, sob medo constante, atos violentos da criminalidade organizada. Se, outrora, os riscos atingiam principalmente os profissionais de primeiro grau, em comarcas distantes dos grandes centros, agora incidem também sobre Ministros de tribunais superiores.
A gravidade do quadro foi dimensionada na pesquisa "Perfil da Magistratura Latinoamericana", produzida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com a Federação Latinoamericana de Magistrados (FLAM) e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) e divulgada em 2023: metade dos magistrados brasileiros enfrenta ou já enfrentou ameaça à vida ou à integridade física.
Além dos prejuízos à saúde e ao bem-estar dos Juízes e de suas famílias, essa situação compromete a efetividade dos julgamentos, e, em suma, a qualidade dos serviços oferecidos à população – o que denota a urgência de resoluções que fortaleçam a proteção dos magistrados, em todas as instâncias e em todos os segmentos do Poder Judiciário.
Os desafios reforçam a necessidade de a legislação reconhecer a magistratura como uma atividade de risco permanente, para que Juízes possam desempenhar suas funções sem o temor de retaliações ou perseguições pessoais. O projeto de lei 4015/2023, em tramitação na Câmara – que analisa modificações introduzidas pelo Senado –, cria mecanismos que respondem à natureza arriscada da magistratura, concorrendo para um Judiciário mais robusto no enfrentamento das adversidades.
As condições de segurança dos ocupantes dos cargos públicos refletem, em larga medida, a segurança das próprias instituições. Não se trata de benefício privado, mas de uma garantia da cidadania, destinada à defesa dos responsáveis por decisões que têm o condão de impactar a realidade de milhões de pessoas e promover a democracia.
Frederico Mendes Júnior, Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Artigo publicado na Revista Justiça&Cidadania