FLAM expressa preocupação diante da crise institucional no Peru

PRONUNCIAMENTO:
A FEDERAÇÃO LATINO-AMERICANA DE MAGISTRADOS – FLAM é uma entidade representativa dos juízes e juízas de 18 países da América Latina, que tem entre seus objetivos promover a independência permanente, real e efetiva do Poder Judiciário, em todos os seus aspectos, como condição essencial da função jurisdicional, e assegurar e defender a dignidade e o prestígio da função jurisdicional.
Em defesa dos Juízes e Magistrados do Peru, EXPRESSA sua profunda preocupação diante da crise institucional que o Peru enfrenta e que ameaça o correto funcionamento do sistema de justiça desse país, pelo conteúdo dos projetos de lei que tramitam pela Comissão de Justiça do Congresso da República.
Recentemente, tomamos conhecimento da apresentação de vários projetos de lei por parte de alguns legisladores do Congresso da República do Peru, projetos que atentam contra a institucionalidade e a democracia desse país, buscando a submissão das Instituições do seu Sistema de Justiça (Junta Nacional de Justiça, Poder Judiciário e Ministério Público). Esta situação atenta contra a Independência dos operadores de Justiça e contra a autonomia das Instituições, com o propósito submeter ao seu controle as Instituições do Sistema e seus operadores.
Assim, recentemente, a Comissão de Justiça e Direitos Humanos aprovou o Parecer sobre os Projetos de Lei 1195/2021-CR, 6776/2023-CR, 6795/2023-CR, 7359/2023-CR, 7824/2023-CR e 8126-2023-CR que propõe a lei que modifica a Lei 29277, Lei da Carreira Judicial; a Lei 30483, Lei da Carreira Fiscal; a Lei 24973; e o Código Penal, Decreto Legislativo 635, para “aperfeiçoar a administração de justiça”. No caso da Lei da Carreira Judicial e da Lei da Carreira do Ministério Público, incorpora novas hipóteses de “faltas muito graves” contra os Procuradores do Ministério Público e Juízes pelo pedido e emissão de mandados de prisão temporária ou de prisão preventiva, quando depois são revogadas em instâncias superiores.
Ao incorporar no Código Penal esses fatos como novos tipos penais do delito de Prevaricação - o que claramente gera uma grave ameaça, bloqueio e criminalização da função jurisdicional e do Ministério Público - fica evidenciado um completo desconhecimento do que é o erro judicial e a natural diferença de critérios que pode existir entre os juízes de diferentes graus.
Em virtude disso, uma medida de coerção pessoal pode ser modificada em outras instâncias, e será avaliada de acordo com o critério de razoabilidade aplicado pelo Magistrado que intervém no processo. Por essa razão, a própria Constituição peruana reconhece o direito à pluralidade de instâncias, mas de nenhum modo se poderia considerar essa diferença de critério de julgamento como uma causa do delito de prevaricação, cuja essência é a atuação dolosa do juiz ou fiscal, contrária ao texto expresso da lei ou a consideração de provas inexistentes ou fatos falsos.
Portanto, o que claramente se busca com este projeto de lei é intimidar, coagir e ameaçar os juízes e procuradores do Ministério Público que buscam cumprir plenamente com suas funções.
Por outro lado, também tomamos conhecimento da aprovação do parecer dos projetos de lei 4145/2022-CR e 4203/2022-MP que pretendem modificar o Novo Código Processual Constitucional no que se refere ao número de votos dos membros do Tribunal Constitucional necessários para obter uma sentença em um processo de competencial - quando há conflitos entre distintos poderes do Estado. Com essas modificações, pretende-se reduzir de cinco para quatro o número de votos necessários. Nesse contexto, nos cabe advertir que se trata de um claro uso irregular da função legislativa para benefício próprio do Parlamento, forçando um resultado a seu favor, na medida em que se encontra em curso perante o Tribunal Constitucional o processo competencial 0004-2024-PCC/TC, instaurado precisamente pelo Congresso contra o Poder Judiciário.
Igualmente, tomamos conhecimento da apresentação do Projeto de lei 8678/2024-CR que busca criar uma comissão no interior do Congresso da República, que investigue o trabalho dos juízes e membros do Ministério Público, o que representa um atentado ao princípio de separação de poderes e ao princípio de independência no exercício da função jurisdicional, estabelecidos nos artigos 43° e 139, inciso 2, da Constituição Política do Estado Peruano, respectivamente. Nesse sentido, este projeto de lei foi apresentado sem um estudo prévio das leis vigentes que já regulam um regime especial dos direitos, deveres e obrigações dos Juízes e membros do Ministério Público, previstos em suas leis orgânicas e em suas respectivas leis da carreira Judicial e do Ministério Público.
Tal situação implica num despropósito de uma das verdadeiras missões do ente legislativo, que deve ser: legislar para a criação de um marco jurídico que forneça robustas garantias legais para que os Juízes e membros do Ministério Público possam cumprir com suas funções, sem qualquer ingerência de terceiros (poderes públicos ou privados) e apegados à Constituição, em primeiro lugar, e depois à lei.
Nossa Federação, em reiteradas oportunidades, PONTUOU que o artigo 14° do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos consagra os Princípios Básicos relativos à Independência da Magistratura, e o artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, estabelece que os Estados devem garantir que quem exerça uma função judicial esteja livre de ingerências, intimidações e hostilidades. Um princípio fundamental da Independência judicial é que os juízes não devem ser objeto de ameaças nem correr o risco de sofrer danos devido ao seu trabalho ou ao conteúdo de suas decisões e sentenças prolatadas de forma independente.
Conforme dispõe o Estatuto do Juiz Ibero-americano, a Independência dos juízes não é um privilégio destes, mas um direito dos cidadãos e, por sua vez, é garantia do correto funcionamento do Estado Constitucional de Direito, que assegura uma justiça acessível, eficaz e previsível. Como consequência disso, todos os Poderes, Organismos Nacionais e Internacionais e autoridades devem respeitar a Independência da Magistratura.
Por tudo isso, CONCLAMAMOS os senhores legisladores do Congresso da República do Peru a cumprir com os princípios enunciados anteriormente, respeitando a independência de quem exerce o poder jurisdicional, buscando fortalecer o sistema de justiça, procurando atender os verdadeiros problemas que o afligem, que são principalmente de natureza orçamentária, fornecendo para isso um adequado marco legal de autonomia que possa dotar de recursos econômicos suficientes para que os operadores de justiça possam cumprir com suas funções de forma plena, com o único objetivo de consolidar um sistema de justiça eficiente.
Acesse a nota em PDF neste link.
Buenos Aires, 4 de outubro de 2024.
MARCELO GALLO TAGLE
Presidente Federação Latino-americana de Magistrados FLAM