A independência do Judiciário na gestão de seus recursos

O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a consolidar um marco decisivo para a Justiça do país: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.641, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), já tem maioria formada no Plenário Virtual para retirar as receitas próprias do Poder Judiciário – advindas de custas judiciais, taxas, emolumentos, concursos, aluguéis e multas, entre outras fontes – do teto de gastos previsto na Lei Complementar nº 200/2023.
Além de corrigir uma distorção legislativa, a medida reafirma a autonomia financeira e a independência do Judiciário como requisito do Estado Democrático de Direito.
A Constituição da República é categórica ao estabelecer, no parágrafo 2º do artigo 98, que os montantes arrecadados pelos tribunais devem ser aplicados exclusivamente no custeio das atividades judiciais, porque não provêm do Tesouro Nacional, nem dependem de repasses da União. Vinculados constitucionalmente, tais recursos destinam-se à modernização e ao bom funcionamento do sistema de Justiça. Submetê-los ao teto, como determina a lei complementar, significa restringir a atuação do Judiciário e prejudicar diretamente a prestação jurisdicional.
Desde o princípio da tramitação da proposta, a AMB esclarece que semelhante limitação viola a Constituição, pois fere a independência e a harmonia entre os Poderes ao tratá-los de forma desigual, visto que universidades e hospitais universitários – entre outras instituições pertencentes ao Executivo – tiveram as receitas próprias preservadas. A legislação compromete a autonomia financeira do Judiciário por impedir que os tribunais administrem recursos que lhes pertencem. E também contraria os princípios da eficiência e da proporcionalidade, porquanto paralisa o uso de verbas essenciais sem produzir benefício fiscal relevante.
O impacto dessa omissão não é retórico. A incidência do teto torna inviáveis, por exemplo, projetos de modernização, digitalização, reestruturação física e capacitação de servidores, ainda que haja somas disponíveis em caixa. Enquanto isso, a Justiça enfrenta demandas crescentes: a sobrecarga processual, a situação de insegurança dos magistrados, as precárias condições de trabalho e os desafios tecnológicos urgentes.
No pedido, a AMB aponta o resultado paradoxal do atual estado de coisas: tribunais obtêm receita, todavia, não podem investir no aprimoramento dos serviços oferecidos aos cidadãos. Ao passo em que a população cobra celeridade e eficiência, o Judiciário fica impedido de aplicar suas próprias verbas. A decisão do STF corrige a incongruência. Não se trata de privilégio, mas de coerência constitucional: recursos arrecadados pela Justiça devem permanecer na Justiça.
Ao propor a ADI, a AMB atuou, novamente, como porta-voz da magistratura nacional e escudo da integridade do Judiciário, corrigindo um lapso que, no longo prazo, inviabilizaria a garantia de direitos e a distribuição de justiça.
Ao concluir a análise do caso, o Supremo Tribunal Federal evidenciará que a responsabilidade fiscal e a separação dos Poderes não são conceitos antagônicos. O controle dos gastos públicos não exige o sacrifício da autonomia do Judiciário – pelo contrário: sua independência funcional e administrativa é uma condição indispensável para a proteção dos jurisdicionados.
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Frederico Mendes Júnior
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Confira a íntegra do artigo publicado no Estadão